segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Perfeito


Os momentos perfeitos, sobretudo quando raiam o sublime, têm o gravíssimo contra da sua curta duração, o que, por obvio, dispensaria ser mencionado se não fosse a circunstância de existir uma contrariedade maior, que é não sabermos que fazer depois.

Dorme Bem


Vai para a cama e imagina que voas sobre o mar.
Sempre em frente.
Até chegares ao sol, do outro lado do Mundo.
Lá em baixo vês as pessoas a passar depressa.
Continuas em frente até a noite voltar.
Passas por sítios onde chove, onde neva, e finalmente voltas ao teu quarto.
Sentes os cheiros e os barulhos, cheia de sono.
Dorme Bem.

Se existisses, matavas-me agora


- É servido?! – estendeu um whisky ao inspector só por cortesia: a resposta já ele a sabia de outros filmes. Fez-lhe sinal para que se sentasse. Sentaram-se os dois em sofás opostos. A sala parecia agora ainda mais negra. A atmosfera de tensão foi quebrada pelo estilhaçar do copo de Pedro no chão ao receber a notícia.
- Grávida?! Como assim?! Ela disse que não podia ter filhos…
- Lamento imenso, não sei mais o que lhe dizer. Foram estas as informações dadas pelo médico legista e que constam no relatório que nos foi entregue. Pensei que vos interessasse saber…
Há fossos muito grandes, buracos-negros nos quais toda a esperança e vida de um homem se enterram. Naquele instante o futuro de Pedro morrera. Jurara entregar a alma ao diabo por aquele filho. E se já pouca fé tinha, naquele sopro perdera a que lhe restava. Que deus seria aquele que lhe levava o amor e o fruto do amor? Que deus era aquele que negava a vida a duas almas perfeitas? Roubasse-lhe antes a vida a ele para salvação das outras duas.
- Se existisses, matavas-me agora.
- Desculpe, está a falar comigo? – o inspector não percebeu o contexto daquele pedido. Acabou por se despedir à pressa do sujeito. À porta esperava-o outro agente, este fardado.
- Vigie-o bem. Não me admirava nada que se matasse entretanto. Era o que eu faria.

Fim

Olhou para a janela.
- Ela adorava esta janela.
Havia algo de mágico no anoitecer que se vislumbrava. Os últimos raios de sol entravam quarto dentro e faziam brilhar todos os vidros e cristais. O branco puro do quarto contrastava com o azul-cinzento do parapeito da janela.
- Sabia que esta é a melhor altura para olharmos para o sol sem ferir os olhos?
- Eu sei. Foi a última coisa que ela disse antes de morrer.
O sol continuou a esconder-se por detrás do monte. Era o início do fim de um qualquer outro dia.

O Primeiro Dia de Madalena

Já passava das onze horas quando o carro chegou à Quinta da Beira. O meu pai ajudou-a a sair. Levou-a pelo braço como se a levasse naquele preciso momento para o altar. Mas a expressão não era a de felicidade esperada num momento como esse. Muito pelo contrário. A comitiva que acompanhava Madalena até à Quinta da Beira parecia caminhar lentamente num percurso fúnebre. Iam enterrar o início da vida daquela filha. Colocou a mão direita de Madalena na mão esquerda de meu pai. O pobre homem só disse “antes morra eu que você a despose”, e desceu as escadas sem se despedir da filha. Sem olhar para trás, entrou no carro. Partiu. Nunca mais voltou à Quinta. Nunca mais viu Madalena. Morreu no dia seguinte: caiu-lhe o cavalo em cima.

Um filho

- Ainda tenho aquela impressão na barriga como se ele estivesse aqui dentro.
- Não penses mais nisso…
- Era o meu filho, Pedro, e eu não fui capaz de o agarrar.
- Nunca mais voltes a dizer isso.
- Eu não o merecia, foi por isso que Deus mo tirou.
- Se Deus existisse não to tinha tirado.
Olhou para ele admirada.
- É verdade, Sara, também tenho as minhas dúvidas acerca de Deus. Talvez eu não O mereça.
- Gostava de ter um filho teu para podermos provar ao mundo o quanto gostamos um do outro. Morreria feliz se o pudesse gerar. Mas isso não vai acontecer…
- Também gostava muito de ter um filho contigo. Mas se isso não vier a acontecer, temo-nos um ao outro, para sempre. E isso é a única constante com a qual podemos contar.

Mulher vs Homem

"- Desculpa que te diga, Sara, mas isso não é verdade! Hoje em dia é preferível ser mulher do que homem.
- E os salários?! E as saídas à noite quando ainda somos novos? Quem ganha sempre?! São os homens…
- Isso varia muito. Ou até não. Os salários estão a 50-50. Há cada vez mais mulheres em grandes cargos, profissões de destaque. E além disso, as mulheres têm maior facilidade de chegar aonde querem. Tanto por capacidades como por outros atributos…
- O que queres dizer, Telmo?
- É óbvio, não digas que não. Basta uma mulher descruzar as pernas para o homem fazer tudo aquilo que ela quiser.
- Mas isso é porque vocês são burros.
- Não, isso é porque gostamos demasiado de vocês."

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

"Se a mulher é o símbolo do amor, a relação perfeita será entre duas mulheres"


Há no encontro de duas almas algo de tão excepcional que até arrepia aos cépticos das andanças do amor. O amor não tem que ser físico. O amor não tem que ter palavras. O amor pode não ter acção. Basta existir. Aquelas duas mulheres simplesmente o consumaram da forma mais humana possível: a forma carnal. Era impossível resistir a uma tentação tão grande. Afinal, toda aquela implicância não passava de uma paixão em crescimento, de uma tentação que ia contra todas as normas sociais e morais. Sim, era um pecado. Um doce pecado.