terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Terra e Mar




"Hoje sei apenas gostar duma nesga de terra debruada de mar."

Miguel Torga

Cedinho

São oito da manhã.
Para muitos o dia já começou faz muito tempo, mas para mim é cedo de mais. Ainda está para nascer o ministro da educação que me há-de explicar porque que é que as criancinhas são obrigadas a ir para a escola tão cedo. Já que está provado que a minha geração é uma geração de consumidores, ao menos que tenhamos o proveito e consumamos o maior tempo possível na cama. Ai que bem que se lá estava agora.

Fim de Tarde


Deixaram a janela aberta. Nem estores nem cortinas impediam o mundo de ver a concretização do amor. Amor verdadeiro não merece represálias. É como os últimos raios de sol a ultrapassarem a barreira das folhas do loureiro antes de beijarem o leito: simples e perfeitos.
- Se o mundo fosse perfeito acabaria agora.
- Não, Sara, se o mundo fosse perfeito…
Não acabou a frase. Ela roubara-lhe um beijo. Puxou-o para a cama.
E naquele instante, os ponteiros dos relógios giraram ao contrário, a orbita da terra alterou-se. Homens perderam o sentido do dia e da noite, o norte deslocou-se e o centro do universo, subitamente, tornara-se aquele quarto.
Não houve pássaro que não cantasse naquele fim de tarde.
Embrulharam-se no coberto amarelo, e pela janela viram o mundo a anoitecer.
- Vou pintar este quarto de branco. Arranco este horrível papel de parede e vou enchê-lo de vidro e cristal.
Pedro abraçou-a com força.
[É lindo. – murmurou – Esta janela é um mundo. Parece que assistimos a um filme.
- Nunca pensaste como a nossa história se parece com um filme?
- E porque achas que é tão parecida?! Quem os escreve tem que se basear nalguma coisa. A vida real é o melhor argumento. A qualquer momento, em qualquer lugar do globo, há alguém a passar pelos mesmos problemas, frustrações e alegrias que nós.
[A nossa história já eu a vi muitas vezes no cinema.
- E vai ter um final feliz?!
- Todas as histórias têm um final feliz. Se não o têm é porque ainda não terminaram.
- E então, como acaba a nossa história?
Fez-se silêncio no quarto. Depois de um profundo respirar, ela respondeu.
- Um de nós vai ter que morrer.
No dia seguinte, quando ele acordou, ela já tinha partido.

Olhos da Alma


Procuro ver com os olhos da alma.
Procuro sonhar.
Ver mundos alternativos. Mundos dentro do Mundo.

Não me largues nunca


Segurou-a no momento-chave pela cintura, e implorou-lhe chorando:
- Não, não faças isso. E eu? Como é que eu vou ficar? Olha! Olha para mim…
- De que é que vale? Tu não gostas de mim.
- Como é que sabes?
Um abraço. Não houve beijo, só o tal «big-hug».
Ele pegou-a ao colo. Ela abraçou-se ao pescoço dele.
- Eu matava-me. A sério que sim.
- Não fales mais nisso.
Ela começou também a chorar.
- Não me largues nunca.

sábado, 2 de dezembro de 2006

Sorrisos


É assim que nos tentamos enganar, posicionando-nos superiormente aos outros pelo aparente poder do SABER, quando na verdade o que conta são coisas tão simples quanto sorrisos...

sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

Acqua

Che musica saresti se non fossi acqua?
Eugénio de Andrade

Sonho


E se adormecesses?

E se, no teu sono, sonhasses?

E se, no teu sonho, subisses aos céus e ali colhesses uma estranha e bela flor?

E se, ao acordares, tivesses a flor na tua mão?

Ah, como seria então?


Coleridge

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Perfeito


Os momentos perfeitos, sobretudo quando raiam o sublime, têm o gravíssimo contra da sua curta duração, o que, por obvio, dispensaria ser mencionado se não fosse a circunstância de existir uma contrariedade maior, que é não sabermos que fazer depois.

Dorme Bem


Vai para a cama e imagina que voas sobre o mar.
Sempre em frente.
Até chegares ao sol, do outro lado do Mundo.
Lá em baixo vês as pessoas a passar depressa.
Continuas em frente até a noite voltar.
Passas por sítios onde chove, onde neva, e finalmente voltas ao teu quarto.
Sentes os cheiros e os barulhos, cheia de sono.
Dorme Bem.

Se existisses, matavas-me agora


- É servido?! – estendeu um whisky ao inspector só por cortesia: a resposta já ele a sabia de outros filmes. Fez-lhe sinal para que se sentasse. Sentaram-se os dois em sofás opostos. A sala parecia agora ainda mais negra. A atmosfera de tensão foi quebrada pelo estilhaçar do copo de Pedro no chão ao receber a notícia.
- Grávida?! Como assim?! Ela disse que não podia ter filhos…
- Lamento imenso, não sei mais o que lhe dizer. Foram estas as informações dadas pelo médico legista e que constam no relatório que nos foi entregue. Pensei que vos interessasse saber…
Há fossos muito grandes, buracos-negros nos quais toda a esperança e vida de um homem se enterram. Naquele instante o futuro de Pedro morrera. Jurara entregar a alma ao diabo por aquele filho. E se já pouca fé tinha, naquele sopro perdera a que lhe restava. Que deus seria aquele que lhe levava o amor e o fruto do amor? Que deus era aquele que negava a vida a duas almas perfeitas? Roubasse-lhe antes a vida a ele para salvação das outras duas.
- Se existisses, matavas-me agora.
- Desculpe, está a falar comigo? – o inspector não percebeu o contexto daquele pedido. Acabou por se despedir à pressa do sujeito. À porta esperava-o outro agente, este fardado.
- Vigie-o bem. Não me admirava nada que se matasse entretanto. Era o que eu faria.

Fim

Olhou para a janela.
- Ela adorava esta janela.
Havia algo de mágico no anoitecer que se vislumbrava. Os últimos raios de sol entravam quarto dentro e faziam brilhar todos os vidros e cristais. O branco puro do quarto contrastava com o azul-cinzento do parapeito da janela.
- Sabia que esta é a melhor altura para olharmos para o sol sem ferir os olhos?
- Eu sei. Foi a última coisa que ela disse antes de morrer.
O sol continuou a esconder-se por detrás do monte. Era o início do fim de um qualquer outro dia.

O Primeiro Dia de Madalena

Já passava das onze horas quando o carro chegou à Quinta da Beira. O meu pai ajudou-a a sair. Levou-a pelo braço como se a levasse naquele preciso momento para o altar. Mas a expressão não era a de felicidade esperada num momento como esse. Muito pelo contrário. A comitiva que acompanhava Madalena até à Quinta da Beira parecia caminhar lentamente num percurso fúnebre. Iam enterrar o início da vida daquela filha. Colocou a mão direita de Madalena na mão esquerda de meu pai. O pobre homem só disse “antes morra eu que você a despose”, e desceu as escadas sem se despedir da filha. Sem olhar para trás, entrou no carro. Partiu. Nunca mais voltou à Quinta. Nunca mais viu Madalena. Morreu no dia seguinte: caiu-lhe o cavalo em cima.

Um filho

- Ainda tenho aquela impressão na barriga como se ele estivesse aqui dentro.
- Não penses mais nisso…
- Era o meu filho, Pedro, e eu não fui capaz de o agarrar.
- Nunca mais voltes a dizer isso.
- Eu não o merecia, foi por isso que Deus mo tirou.
- Se Deus existisse não to tinha tirado.
Olhou para ele admirada.
- É verdade, Sara, também tenho as minhas dúvidas acerca de Deus. Talvez eu não O mereça.
- Gostava de ter um filho teu para podermos provar ao mundo o quanto gostamos um do outro. Morreria feliz se o pudesse gerar. Mas isso não vai acontecer…
- Também gostava muito de ter um filho contigo. Mas se isso não vier a acontecer, temo-nos um ao outro, para sempre. E isso é a única constante com a qual podemos contar.

Mulher vs Homem

"- Desculpa que te diga, Sara, mas isso não é verdade! Hoje em dia é preferível ser mulher do que homem.
- E os salários?! E as saídas à noite quando ainda somos novos? Quem ganha sempre?! São os homens…
- Isso varia muito. Ou até não. Os salários estão a 50-50. Há cada vez mais mulheres em grandes cargos, profissões de destaque. E além disso, as mulheres têm maior facilidade de chegar aonde querem. Tanto por capacidades como por outros atributos…
- O que queres dizer, Telmo?
- É óbvio, não digas que não. Basta uma mulher descruzar as pernas para o homem fazer tudo aquilo que ela quiser.
- Mas isso é porque vocês são burros.
- Não, isso é porque gostamos demasiado de vocês."

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

"Se a mulher é o símbolo do amor, a relação perfeita será entre duas mulheres"


Há no encontro de duas almas algo de tão excepcional que até arrepia aos cépticos das andanças do amor. O amor não tem que ser físico. O amor não tem que ter palavras. O amor pode não ter acção. Basta existir. Aquelas duas mulheres simplesmente o consumaram da forma mais humana possível: a forma carnal. Era impossível resistir a uma tentação tão grande. Afinal, toda aquela implicância não passava de uma paixão em crescimento, de uma tentação que ia contra todas as normas sociais e morais. Sim, era um pecado. Um doce pecado.